Eles estão
em início de carreira. A remuneração é baixa e às vezes nem isso. Um estágio,
um treinamento, uma bolsa de estudos e olhe lá.
O caminho
óbvio para os dois é juntar forças. Ajeitar um cantinho próprio pra conquistar
a tão sonhada liberdade. Procuram alugar um apartamento pequeno, baratinho, de
preferência perto do trabalho e/ou da faculdade. Se tiver um supermercado perto
e um barzinho na rua de trás, perfeito.
Encontraram!
O prédio é velhinho, meio zoado, mas o zelador é gente boa, o elevador
funciona direitinho. E, vejam só, a padaria da esquina entrega leite na
portaria.
A casa é
pequena, sim, e o dinheiro é curto. Mas perde-se pouco tempo entre serviço,
lazer e moradia. Quase não há o que administrar além do amor que os uniu.

E mesmo que
fossem prioritários, não há dinheiro mesmo... O jeito é se adaptar.
Adaptação!
Eis a palavra-chave.
Aos 20 e poucos
anos é fácil se adaptar. Você já vem de um longo processo de adaptação, que começou
lá nos seus 12-13 anos, quando seu corpo passou por tantas transformações que
até você se assustou.
Durante esse
meio-tempo ainda teve as equações de 1º e 2º graus, o primeiro beijo, a prova
de Genética, o encontro com a vida noturna, a tabela periódica, a descoberta da
ressaca e o vestibular. Você conheceu novos amigos, novas normas, novas regras,
novos conceitos e novas concepções de vida.
Enfim,
durante toda essa fase você é a adaptação em pessoa. Logo após a faculdade, a habilidade
mais desenvolvida em qualquer pessoa é a sua adaptabilidade.
O que é bom,
já que a vida imediatamente coloca toda essa capacidade à prova.
O tempo
ainda não é escasso, mas já não sobra aqueles minutinhos pra ficar à toa. Agora os dois estão cumprindo jornada integral fora de casa, chegam em casa à noite,
cansados. As risadas pela casa agora são raras, eles passam a se curtir só nos
finais de semana. Isso quando não precisam visitar os parentes ou amigos que os
intimaram para aquele churrasco de domingo à tarde. As conversas mudaram.
A conta de
luz tá alta. O cartão de crédito estourou quando você comprou aqueles sapatos
novos. Quem mandou querer trocar o carro? Vamos aumentar o limite do cheque
especial, então. E meu curso, quem que paga? Eu sabia que era pra ter comprado
aquele aparelho de som naquele dia.
Os dias se
tornam mais longos. O trabalho não é apenas cansativo, são obrigados a conviver
com pessoas medíocres.
Chegando em
casa, quero tomar banho, uma aspirina e direto pra cama.
Eles dão
duro o mês inteiro, pagam as contas. Sobrou pouco.
Nossa, faz
tempo que não vamos ao cinema. Eu deveria ter investido em ações.
A paciência foi embora, já estão na casa dos 30. Eles têm dois carros e
uma poodle. Agora vão tentar financiar aquele apartamento. 15 anos, mais o FGTS
dela.
Adaptabilidade,
tolerância, serenidade, imaginação, criatividade. Tudo se esgotou em tão pouco
tempo. A tendência é piorar. Um projeto em comum é capaz de uni-los novamente. Quem
sabe se ela ficasse grávida.
Ele pediu
demissão. Não suportava mais o Freitas da contabilidade, que sempre pedia pra
ele somatizar a fatura antes de protocolizar no financeiro.

Ele se
levanta durante a noite. Está calor, quer um copo d’água. Caminha na ponta dos
pés e passa na porta do quarto. Ela é linda dormindo. Saudade. E remorso. Mas
ele pensa: por hoje chega.
Uma semana
depois e ela ainda só responde sim e não. Voltarei a estudar – ele fala.
No primeiro
mês venderam o carro novo. Depois as bicicletas e o anel que o pai
dela lhe deu na formatura. Até aquele casaco horrível comprado numa noite
gelada em Curitiba foi pro brechó.
O condomínio
atrasou no mesmo mês que ele foi convocado pro novo emprego. Agora vai –
pensou.
Boa parte do
salário ainda vai pra pagar os empréstimos. Ainda falta terminar de pagar os
livros e as apostilas, comprados no cartão de crédito. Mas já não tá pesando
tanto. E o melhor de tudo: setembro é a última parcela.
Mesmo assim,
ela ainda acha que ele foi irresponsável. Não se sente plenamente segura ao seu
lado. Às vezes ele é tão moleque.

O que os faz
continuar juntos? Adivinhe.
Ao invés do
jovem casal, imagine agora um cara de quase 30 anos recém-casado com uma mulher
mais velha, divorciada e com duas filhas. Eleve tudo ao cubo.
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